ORELHA
Em 1881, José Valentim Fialho de Almeida — português da singela e alentejana Vila de Frades, fundada em 1255 e hoje com pouco mais de 900 habitantes —, lançava seu primeiro livro, uma reunião de treze contos, a primeira de duas partes que deveriam sair sob o mesmo título, o genérico Contos. A segunda, “A cidade do vício”, anunciada na última página desse Contos, seria publicada no ano seguinte, 1882, com o nome da parte e com a ressalva editorial “segundo livro de Contos”. Já a primeira, “Os doentios”, acabaria por ter seu nome de origem, em suas tantas edições, preterido pelo genérico.
135 anos da estreia literária de Fialho de Almeida em livro, ainda inédito no Brasil, e coube à Siglaviva o privilégio de editá-lo, com o título por ele pensado e com o apoio da República Portuguesa. Apesar de principiante, Os doentios já demonstra toda a força da prosa de um escritor que, sem dúvida, viria a figurar entre os maiores das letras portuguesas, embora, injustamente, por divergências políticas, não tenha alcançado a projeção de um Camilo Castelo Branco — a quem Fialho dedicou este livro — ou a de um Eça de Queiroz.
Com esta edição — que passou por atualização linguística e revisão editorial, optando-se pela grafia do português europeu e pelas normas de pontuação vigentes —, a Siglaviva quer, sobretudo, apresentar Fialho de Almeida aos leitores brasileiros, que praticamente o desconhecem; um Fialho que aqui se vale do lirismo da estética romântica, construindo-o, desconstruindo-o, para imprimir um realismo, um naturalismo trágico, grotesco, convulsivo, que também contribuiu para a sua reputação de maldito, marginal. Não é à toa que Guerra Junqueiro disse: “Em Fialho de Almeida há um poeta genial e um noticiarista sacrílego. Sacrílego porque gastou uma parte do seu génio, isto é, da sua imortalidade a contar coisas fúteis e ruins, que viveram instantes ou que nasceram mortas. De metade dum bloco de mármore fez beleza. A outra metade estilhaçou-a e converteu-a em pó”. Junqueiro é preciso, cirúrgico: da beleza ao pó... doentiamente. Este, com certeza, é o condenável Fialho de Almeida.
Renato Cunha
editor